ESTAR PERTO NÃO É FÍSICO. NUNCA FOI. NUNCA SERÁ – “Os Famosos e os Duendes da Morte” – Ismael Caneppele

Alguma vez você já se apaixonou por um livro e o releu tantas vezes, mas -incrivelmente- teve uma experiencia diferente em todas elas? Pois bem, esse foi exatamente o sentimento que “Os Famosos e os Duendes da Morte” me proporcionou três vezes.

Com uma delicadeza sutil, mas ao mesmo tempo intensa demais para passar despercebida, a obra em questão é uma das mais lindas que já pude ler. Ismael Caneppele transmitiu em palavras a angustia que qualquer pessoa passa durante a vida, principalmente, durante a adolescência. O livro é uma mistura de sentimentos… uma inquietação presa dentro do coração, a melancolia de não poder mudar as nossas vidas do jeito que sonhamos, o medo de desapontarmos as pessoas que nos amam e o trauma causado pela perda das pessoas que amamos.

A frase “estar perto não é físico” ecoa durante o livro inteiro, quase como um lembrete constante dentro de um grito de socorro. Nesse caso, o grito de socorro provém do narrador sem nome; um garoto comum, em uma cidade comum, com a vida de um adolescente brasileiro comum. O espaço em que todos esses elementos se integram é uma típica cidade do interior, mas com uma pequena diferença: a ponte. Cortada por um rio, a ponte acaba sendo o maior receio que assombra a cidade, uma vez que já se encaminhou de acolher os corpos cansados que alí perto viviam.

Dentre os corpos que caíram nas águas acolhedoras, nosso narrador precisa lidar com a perda de um dos seus melhores amigos, o qual é quase como a personificação de um porto seguro. O narrador acaba percebendo-se em um momento sem rumo a seguir; os amigos não fazem mais sentido, a escola, a cidade, as escolhas, tudo perde a graça. Não só pela perda do amigo, mas por todo o peso que a cidade, acostumada com as perdas (se é que é possível dizer que alguém se acostuma com isso), carrega em seu ar, sabendo que não foi a primeira pessoa a partir antes da hora e nem será a última.

A primeira perda na vida do personagem principal é a do seu pai. Em todos os pontos da obra, este sempre é lembrado com muito carinho devido as memórias de infância. Entretanto, como a vida continua, nosso narrador cresce e a cada dia precisa enfrentar a dura ausência daquele que tanto amava.  Com a vida desconexa e com mais um infortúnio recente, é necessário se manter firme não apenas por si, mas também por sua mãe. O turbulento núcleo familiar se torna desgastante, com cada um vivendo sua própria vida dentro de cômodos e só tendo tempo para socializar na mesa de jantar. A mãe, sempre preocupada, entende que a adolescência é uma fase difícil e permite que o garoto tenha espaço para existir; enquanto isso, ela existe igualmente em sua vida comum.

Durante toda a obra somos apresentados a vários dilemas da vida. O garoto sem nome acaba se isolando no mundo cibernético e fazendo amigos com os que moram “lá”, enquanto ele vive “cá”. Como um paradoxo, o lá sempre parece ter a grama mais verde do que o cá. O lá não tem monotonia, tédio, perdas e pontes. O lá é tudo o que o nosso narrador enxerga como o lugar ideal para se permitir viver. A vida que, no caso, o menino não consegue observar como palpável no lugar onde se encontra e, por isso, segue o raciocínio de que está morto dentro de si, ele apenas vive a morte todos os dias quando acorda e precisa, mais uma vez, se sujeitar a rotina de sempre.

Por fim, só me resta dizer que a obra merece a devida atenção. Se engana aquele que pensa que bons livros possuem muitas páginas, pois, com menos de 100, este consegue nos fazer sentir a angústia de uma vida inteira por causa da identificação. Com algumas exceções, a maioria de nós não passa de “um garoto comum, em uma cidade comum, com a vida de um adolescente brasileiro comum”, o que particularmente possui uma beleza-triste imensa e isso não é de todo mau. Portanto, me limito a mais comentários e deixo as frases de “Os Famosos e os Duendes da Morte” falarem por si só, mas aqui vai o último adendo: leiam Ismael Caneppele e comecem a valorizar os escritores do nosso país!

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Boa leitura!

-Bella

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